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sábado, 5 de novembro de 2011

A Antártica

O que a Antártica nos ensina Por Ethevaldo Siqueira

Cerca de 98% da superfície continente Antártica são cobertos de gelo. Apenas 2% são de terra descoberta. O geólogo e professor da Universidade de Minnesota-Duluth, John Goodge, tem visitado a região desde 1985, para estudar suas rochas e buscar ligações ou vínculos desses 2% do continente com seu passado. O estudo das rochas pode contar um pouco da história desse continente desolado, de sua formação e de suas transformações ao longo do tempo.

No final de 2010 e começo de 2011, ele passou diversas semanas no campo, juntamente com outros cientistas, visitando uma dúzia de locais, espalhados ao longo de 2 mil quilômetros de montanhas. “Nosso trabalho tem sido a busca de locais adequados nas montanhas Transantárticas e colher amostras de rochas que possam, eventualmente, nos dar alguns exemplos do que existe por baixo da camada de gelo desse continente “ – diz o prof. Goodge. Ele e seus colegas são financiados pelo Programa da Antártica norte americano, administrado pela Fundação Nacional de Ciências (NSF, sigla da National Science Foundation dos Estados Unidos).

A equipe passou inicialmente cerca de três semanas preparando-se para o trabalho de campo na Estação MacMurdo, que é a principal instalação norte-americana de pesquisa na Antártica. Segundo o prof. Goodge, o projeto de pesquisa sobre as rochas da Antártica combina a dureza do terreno com a boa vontade e a camaradagem dos trabalhadores que escavam a terra.

Uma das experiências pessoais mais interessantes do prof. Goodge nessa pesquisa nada tem a ver com as rochas desse continente gelado. Ele diz que, na Antártica, mais do que em qualquer outro lugar, a gente aprende a trabalhar ao lado de colaboradores de todos os tipos e socializar-se, a fazer amigos, como em nenhum outro lugar. “Lá eu encontro pessoas que estão trabalhando na área de meteorologia, soltando balões de pesquisa, e pessoas que estudam os peixes da Antártica que criam seus próprios anticongelantes, e outras coisas tão boas e interessantes.”

Um bom tempo antes de aterrissar no gelo, os cientistas passam meses localizando os pontos que parecem mais produtivos e interessantes para a pesquisa. Eles usam a combinação de imagens de satélite e mapas topográficos. Para facilitar o trabalho, os pesquisadores usam, entre outras imagens, fotos do Serviço Geológico dos EUA feitas nos anos 1950 e 1960, recentemente digitalizadas. Um dos desafios para o prof. Goodge é selecionar corretamente os especialistas para o trabalho de pesquisa com rochas na Antártica. “Eu aprendi há muito tempo – diz o professor – que é gratificante escolher uma equipe de gente que traz diferentes especialidades e conhecimentos àquilo que estamos fazendo. E assim eu me vejo como o centro de uma roda que se beneficia do trabalho de toda essa gente que faz coisas diferentes”.

Sua equipe inclui um guia professional e um montanhista, um estudante de pós-graduação da África do Sul, um geoquímico de isótopos e o geocronologista. Eles viajaram de helicópteros para chegar a locais situados a algumas centenas de quilômetros da Estação de MacMurdo, de aviões que os levam a lugares ainda mais distantes.

As rochas que eles colhem nos dão a possível resposta sobre como era nosso planeta antes da formação dos sete continentes que conhecemos hoje. “Quando pensamos acerca da história e da tectônica da Terra, passamos a entender que existiram diversos períodos da história em que supomos ter havido supercontinentes; muitos se juntaram, se não todos os continentes que conhecemos hoje. Pangea é o último deles, há cerca de 250 milhões de anos. Antes de Pangea se formar, havia outro supercontinente, Gondwana, que muitos acreditam já existia há cerca de 500 milhões de anos” – explica Goodge.

E outra parte da tão antiga história: “Pelo que temos visto – completa o professor – existem rochas e depósitos glaciais que nos parecem confirmar a ideia de que a Antarctica e a América do Norte tenham sido continentes vizinhos ou formaram um só bloco.” A equipe coletou mais de 1,5 tonelada de material rochoso, que encheram 30 imensas caixas de madeira. Abrir essas caixas para analisá-las, brinca o pesquisador, “é ter o Natal de volta aqui”. Exibindo uma pedra mais complexa, ele diz: “Esta rocha é um granito, está impregnado de zircônio mineral, que é muito valioso para nós por causa de uma propriedade de sua estrutura de conter pequenas quantidades de urânio, que decaem ou se transformam naturalmente em isótopos do estanho. Esse fenômeno pode, por sua vez, ser usado como relógio capaz de medir a idade das rochas. Assim, podemos analisar o zircônio e saber quando esta rocha se formou. Além disso, a análise da composição do isótopo nos informa sobre o passado do próprio granito”.

Para Goodge, a Antártica, embora não dê a impressão de ser muito ativa, é, na verdade, um ambiente bastante dinâmico. E ela é um lugar importante para se estudar a saúde do planeta – inclusive o impacto da mudança climática global sobre as mudanças de estabilidade da cobertura de gelo. “E, se nós pudermos entender o que aconteceu no passado, teremos pelo menos um meio ou indicação para prever o que poderá acontecer no futuro e então, é claro, no tocante à mudança climática. A questão central é esta: qual poderá ser o papel adicional exercido pelo homem e por sua ação de modo a proteger os sistemas naturais de eventuais ciclos que já podem estar em curso?"

Na avaliação de Goodge, que tem viajado com frequência à Antártica, o ambiente desse continente ainda guarda características misteriosas, fascinantes e imprevisíveis. Na avaliação do professor norte-americano, uma das coisas mais interessantes sobre a Antártica é que a gente perde o senso de escala. Se sai a caminhar pelas montanhas do oeste dos Estados Unidos, você pode ver árvores e estradas, e assim ter uma noção da distância em que se encontra ou do tamanho das coisas que vê. Já na Antártica, tudo é uma extensão do branco e misturado. O que você vê pode mesmo ser uma paisagem montanhosa ou uma porção de geleiras. É um belo cenário e as distâncias ainda são enganadoras. Você se sente pequeno e cada vez mais curioso em testemunhar as coisas que se passam ao seu redor. Esta paisagem gelada está cheia de antigas pistas para esclarecer mil mistérios. Cabe a você decifrá-las ou interpretá-las.




(O texto é da Fundação Nacional de Ciência (National Science Foundation), dos Estados Unidos, uma entidade semelhante ao CNPq brasileiro. O rico material informativo dessa entidade está à disposição de quem se cadastrar (no site www.nsf.gov) da entidade.)
Fonte: o Estadão

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